O Bairro do Aleixo - Digressão Mundial

domingo, fevereiro 06, 2005

O paraíso

Teoricamente ninguém em Tuvalu sofre mais privações do que as impostas pela insularidade. O estado tem uma economia oficialmente saudável, em comparação com as outras ilhas do Pacífico, que assenta nas exportações de peixe, na filatelia, nos direitos de utilização do domínio .tv e nas ajudas financeiras do governo da República da China (ou Taiwan).

O que se vê é ligeiramente diferente. As pessoas vivem em casas de madeira podre com telhados de folhas de coqueiro. Casas com uma única divisão e um anexo para armazenar cocos e criar porcos e galinhas. Algumas casas têm depósitos de água, mas a maior parte usa depósitos comunitários. Com as casas de banho acontece o mesmo.

Grande parte das casas estão assentes em pilares por cima dos lagos criados pelas chuvas, usados durante muito tempo pelos ingleses para armazenar e produzir asfalto. Estes lagos servem agora para armazenar todo o tipo de lixo, incluindo os esgotos das casas. As pessoas que vivem nestas casas, aproveitam a acumulação de latas e garrafas para construir pontes de acesso às casas e ao outro lado dos lagos.

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Não há fome ou subnutrição em Tuvalu, graças à quantidade de peixe que existe na lagoa e no oceano. A poluição que onze mil pessoas produzem não é suficiente para matar os peixes.

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O nível de instrução é bastante elevado. Há muitas crianças e todas elas vão à escola em Funafuti. Os tuvaluanos em idade universitária, facilmente vão estudar para a Universidade do Pacífico Sul, em Suva, ou para uma universidade neo-zelandesa.

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Ninguém em Tuvalu parece interessado no fenómeno .tv. Tudo o que se escreveu sobre as receitas da venda do domínio, toda a fama internacional do país depois disso, pouco ou nada interferiu na vida dos tuvaluanos.

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Também ninguém acredita que o país se está a afundar. Não há evidências disso e parece ser melhor ignorar do que viver angustiado e sempre a pensar no aquecimento global, num país onde a temperatura raramente desce dos 30 graus. Mesmo os estrangeiros que cá vivem preferem pensar nos outros problemas do país.

No entanto houve contactos do governo com os países vizinhos, para averiguar da disponibilidade destes em acolher a população em caso de necessidade.

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O que parece ser indiscutível é o facto da poluição visível no atol, ser da total responsabilidade dos habitantes.

O turismo traz a Tuvalu cerca de 50 a 70 pessoas por ano e essas pessoas são as únicas que se preocupam com a poluição. Talvez por ser impossível tomar banho na bonita lagoa de Funafuti.

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Tuvalu não tem espaço para construir uma estação de reciclagem ou de tratamento de resíduos. Nem dinheiro, segundo fontes oficiais. Se tivessem dinheiro teriam de a construir numa das ilhas que são reserva natural.

O custo de transportar o lixo de barco para outro país também não compensa e não há muitos países interessados em receber latas de cerveja e garrafas de plástico de Tuvalu.

Entretanto o solo de Funafuti vai sendo substituído por uma mistura de coral, cocos e folhas de coqueiro, garrafas de plástico, vidros, latas, cartões e todas as substâncias que chegam de barco e avião e não saem mais do atol.

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A lagoa de Funafuti é das coisas mais bonitas que eu já pude ver. Se está sol, a água varia de tom entre o verde e o azul, veêm-se os corais, os coqueiros dobram-se sobre o mar e as ondas são muito calmas. Onde há areal há quase sempre crianças. Há também alguma pocilga construída em cima da água ou um canal que escoa os esgotos de duas ou três casas para a praia.

A lagoa é muito grande e aberta. Tem cerca de 25 km por 18 km, mas é calma e as ondas não movimentam muito a água. A espuma junto às praias de coral não dá muita vontade de tomar banho.

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A grande diferença entre Tuvalu e os outros países do Pacífico Sul é o facto de em Tuvalu não haver resorts turísticos. Aqui é tudo real. As casas em cima de estacas sobre a água são de pessoas que não conseguiram construir noutros locais, não são unidades hoteleiras.

Não há espaço para resorts, não há praia suficiente para bungalows.

Os paraísos precisam de muito espaço: espaço para paraíso e espaço para casa das máquinas.